Seguindo o exemplo de Nova York e Minnessota, a Califórnia tornou-se esta semana o terceiro estado americano a aprovar uma lei para o “direito ao conserto” (Right to Repair). O mérito é de alguns parlamentares mobilizados pelo CALPIRG (California Public Interest Research Group), entidade privada e sem fins lucrativos que advoga várias causas em favor da sociedade, em áreas como consumo, saúde e meio ambiente.
Basicamente, a lei determina que os fabricantes são obrigados a manter peças e documentos de orientação para o consumidor que quiser fazer o conserto de um aparelho que apresente defeito. Foi elaborada uma tabela para entrar em vigor em julho de 2024, especificando que a obrigação vale para todos os aparelhos eletroeletrônicos com valor acima de 50 dólares, que tenham sido adquiridos no estado a partir de julho do ano passado. O fabricante deve garantir o suporte por três anos após a compra; no caso de produtos com valor acima de 100 dólares, o prazo é de sete anos.
Há uma lista de exceções; consoles de videogame, acessórios de segurança e equipamentos para agricultura e florestas, o que inclui fazendas e propriedades rurais. Tudo foi debatido exaustivamente desde 2017, quando a lei foi proposta, e o governo federal não se envolveu – nos EUA, esse tipo de legislação varia de um estado para outro.
Como se nota, a nova lei vai exatamente na mão contrária à chamada obsolescência programada, que sempre regeu a indústria de bens de consumo. Vários fabricantes foram convidados a participar dos debates (alguns se recusaram), e a senadora Susan Eggman, autora do projeto, agradeceu essa presença defendendo que as empresas se conscientizem. “É uma medida que, entre outras coisas, favorece o planeta: muitos aparelhos que hoje são descartados por qualquer defeito agora poderão ser preservados, reduzindo a quantidade de lixo eletrônico no planeta”, disse ela.
Não por acaso, a Califórnia é o estado americano onde esse problema é mais grave. Estimativa do CALPIRG indica que atualmente os locais descartam nada menos do que 228kg de e-waste por segundo!
Como seria no Brasil?
No Brasil, são poucas as possibilidades de que uma lei como essa seja aprovada tão cedo, apesar dos esforços de grupos como o DireitodeReparar. Estamos a anos-luz da consciência cidadã dos americanos, que preservam o saudável hábito de se unir em causas coletivas. E a lei por lá só está sendo aprovada devido ao envolvimento de segmentos como as oficinas de assistência técnica, os pequenos comerciantes de acessórios e grupos de pressão como o CALPIRG, além de alguns fabricantes, entre eles a todo-poderosa Apple.
Isso mesmo: no início, a dona da maçã condenava a iniciativa alegando que, se liberasse seus códigos de reparo dos aparelhos para além de sua rede autorizada, o mercado seria dominado pelos hackers. Usuários da marca devem se lembrar que, anos atrás, a Apple passou a usar no iPhone um tipo diferente de parafuso que nenhuma chave conseguia abrir. Era por isso. Talvez sintonizada com as pressões dos californianos, a partir de 2021 a empresa decidiu apoiar a nova lei. E esse apoio acabou sendo decisivo para sua aprovação.
Para quem se interessar, recomendo começar pela leitura deste artigo da advogada Marina Giovanetti Lili Lucena, que enumera as diversas implicações do problema. Uma delas, e não pouco importante, é que a indústria em geral vive do lançamento de novos produtos; se isso for bloqueado, muita gente vai perder o emprego. Mas esse é apenas um dos lados da questão. Vale a pena se informar a respeito.
Na foto que abre o post, integrantes do grupo CALPIRG se manifestam diante da Câmara Legislativa da Califórnia, com uma boa quantidade de lixo eletrônico.