De tudo que tenho visto e lido sobre a “nova” Inteligência Artificial – aquela baseada em modelos de linguagem – e seus desdobramentos, o que mais me chamou a atenção foi a descoberta de que, ao contrário do que se propaga, ela traz embutidas uma série de armadilhas.
Quem me alertou foi um amigo especialista em segurança de redes: o oba oba em torno da novidade, estimulado pelo competentíssimo marketing do Vale do Silício, está levando muita gente a crer que ChatGPT e similares irão resolver todos os problemas; quando, na verdade, é mais provável que criem problemas novos, para os quais não estamos nem de longe preparados.
Um primeiro alerta já tinha partido meses atrás do advogado e professor Ronaldo Lemos, da FGV. Em sua coluna na Folha de S.Paulo, a propósito da notícia de que muitos estudantes estavam usando o chatbot para fraudar provas copiando, como se fossem seus, trechos inteiros de artigos e reportagens, Lemos contou como estava agindo com seus alunos. Em vez de responderem às questões propostas com textos prontos, eles tinham que indicar nas provas quais perguntas (prompts, no idioma gepetês) haviam feito à ferramenta.
Bingo! O desafio de entender, processar e fazer bom uso dos recursos de inteligência generativa passa obrigatoriamente por saber fazer as perguntas certas. Isso, claro, exige conhecimento prévio do assunto proposto, capacidade de interpretar textos, inteligência e sagacidade para não cair nas inevitáveis pegadinhas que esse tipo de ferramenta abriga.
Nada é mais eficiente que a leitura
Num vídeo que tem circulado pelas redes, o publicitário Walter Longo, um dos pioneiros da TV paga no Brasil e hoje consultor de empresas de mídia, reforça: para usar I.A. Generativa, é necessário algo chamado VOCABULÁRIO, ou seja, conhecer a maior variedade possível de palavras (e seus significados, que às vezes são muitos) para poder “desafiar” a ferramenta digital. Se a pessoa, exemplifica ele, não sabe a diferença entre “afrontar”, “defrontar” e “confrontar”, não irá obter da I.A. a resposta que deseja.
Atuando muito na área educacional, Longo lembra um detalhe que vários especialistas já apontaram (e as provas do Enem e do PISA confirmaram): um aluno brasileiro atual do ensino médio tem menos vocabulário do que um americano dos anos 1950!!! Não é por acaso que a maior parte dos postos de trabalho em IA está sendo ocupada por pessoas mais velhas, que leram mais e têm vocabulário mais amplo.
Não adianta se autoenganar. Ainda não foi inventada uma forma de transmissão de informação mais eficiente do que a leitura. Quem lê tem a extraordinária oportunidade de “viajar” com o autor, seja ele Machado de Assis, Agatha Christie ou um cientista. Ao ler, visualizamos as cenas descritas como se estivessem acontecendo à nossa frente e imaginamos, num ato único, pessoal e intransferível, como a trama irá se desenvolver. Não falo apenas de ficção; biografias, ensaios e até crônicas podem cumprir bem a tarefa.
O exercício da leitura, praticado regularmente, abre nossa mente para as inúmeras possibilidades que a vida oferece. É o que diferencia o leitor habitual de alguém que, por exemplo, passa todo seu tempo livre jogando videogame ou ouvindo música barulhenta. Quando forem enfrentar os bots da vida, os do primeiro grupo terão muito mais chances. E nas próximas décadas, todos iremos passar por isso.
Expandir nosso vocabulário é o que nos permite extrair o melhor da Inteligência Artificial, ainda que não seja possível prever aonde ela irá nos levar.